Bloguinho da Zizi

segunda-feira, 22 de março de 2010

As palavras


As palavras são boas. 
As palavras são más. 
As palavras ofendem. 
As palavras pedem desculpa. 
As palavras queimam. 
As palavras acariciam. 
As palavras são dadas, trocadas, oferecidas, vendidas e inventadas. 
As palavras estão ausentes. 
Algumas palavras sugam-nos, não nos largam: são como carraças: vêm nos livros, nos jornais, nos slogans publicitários, nas legendas dos filmes, nas cartas e nos cartazes. 
As palavras aconselham, sugerem, insinuam, ordenam, impõem, segregam, eliminam. São melífluas ou azedas. 
O mundo gira sobre palavras lubrificadas com óleo de paciência. Os cérebros estão cheios de palavras que vivem em boa paz com as suas contrárias e inimigas. Por isso as pessoas fazem o contrário do que pensam, julgando pensar o que fazem. 
Há muitas palavras.
E há os discursos, que são palavras encostadas umas às outras, em equilíbrio instável graças a uma precária sintaxe, até ao prego final do Disse ou Tenho dito. 
Com discursos se comemora, se inaugura, se abrem e fecham sessões, se lançam cortinas de fumo ou dispõem bambinelas de veludo. 
São brindes, orações, palestras e conferências. 
Pelos discursos se transmitem louvores, agradecimentos, programas e fantasias. E depois as palavras dos discursos aparecem deitadas em papéis, são pintadas de tinta de impressão - e por essa via entram na imortalidade do Verbo. 
Ao lado de Sócrates, o presidente da junta afixa o discurso que abriu a torneira do marco fontanário. E as palavras escorrem tão fluidas como o «precioso líquido». Escorrem interminavelmente, alagam o chão, sobem aos joelhos, chegam à cintura, aos ombros, ao pescoço. É o dilúvio universal, um coro desafinado que jorra de milhões de bocas. 
A terra segue o seu caminho envolta num clamor de loucos, aos gritos, aos uivos, envolta também num murmúrio manso, represo e conciliador. 
Há de tudo no orfeão: tenores e tenorinos, baixos cantantes, sopranos de dó de peito fácil, barítonos enchumaçados, contraltos de voz-surpresa. 
Nos intervalos, ouve-se o ponto. E tudo isto atordoa as estrelas e perturba as comunicações, como as tempestades solares.
Porque as palavras deixaram de comunicar. 
Cada palavra é dita para que não se oiça outra palavra. 
A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. 
A palavra não responde nem pergunta: amassa. 
A palavra é erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. 
A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. 
A palavra não mostra. 
A palavra disfarça.
Daí que seja urgente mondar as palavras para que a sementeira se mude em seara. Daí que as palavras sejam instrumento de morte - ou de salvação. Daí que a palavra só valha o que valer o silêncio do acto.
Há também o silêncio. 
O silêncio, por definição, é o que não se ouve. 
O silêncio escuta, examina, observa, pesa e analisa. 
O silêncio é fecundo. 
O silêncio é a terra negra e fértil, o húmus do ser, a melodia calada sob a luz solar. 
Caem sobre ele as palavras. 
Todas as palavras. 
As palavras boas e as más. 
O trigo e o joio. 
Mas só o trigo dá pão.
  
Crônica de José Saramago do livro "Deste Mundo e do Outro"

10 comentários:

Chá das Cinco disse...

A palavra mais importante das nossas vidas é AMIZADE.

Além de pais, amigos
Além de irmão, amigo
Além de vizinho, amigo
Além de professor, amigo
Além de médico, amigo
Além de amor, amigo

As tuas palavras tem sido mensagens, adoro quando você divide comigo o teu aprendizado.
Obrigada Zizi!

Valeu pelo selinho amiga, ele vai estar na galeria do Chá das Cinco.
Um grande beijo

Quando a vida dentro de mim se tornou possivel disse...

Obrigada ZIZI!!Eu venho pegar noutro momento ok? estou tristinha pois meu cachorrinho está dodói e é grave-estou sem cabeça.Muito obrigada mesmo! um bjão

Unknown disse...

fiquei sem palavras depois do poema. boa semana

Graça Pereira disse...

A palavra nem é boa, nem má...tem o sentido que nós lhe quisermos dar... Se as enfeitarmos com o coração, as palavras serão sempre boas...
Gosto desta crónica de José Saramago.
Olha convidei a Emilia para vir tomar um chá comigo e disse-lhe que tu também vinhas..Apesar de estarmos na Primavera, ao cair da tarde, esfria um pouco...e um cházinho vem mesmo a calhar. Há biscoitos e muita Amizade para acompanhar.
Beijocas
Graça

Maria José Rezende de Lacerda disse...

Muito bom este texto, amiga. O diálogo aproxima as pessoas, resolve os problemas difíceis e esclarece as questões complicadas. É uma ferramenta poderosa para solucionar mal-entendidos e transformar campos de guerra em ambientes de paz. Um bom diálogo exige saber escutar. Mas devemos ter muito cuidado com a escolha das palavras. Beijos.

DOIDINHA DA SILVA disse...

Adorei ter vindo aqui...

Maysha disse...

Minha querida que poder tem a palavra!È por isso que temos de ter cuidado como que proferimos, porque tanto pode magoar, como apaziguar. Se for dita com o coração, terá sempre um poder suavizante.

Beijos de luz, bom fim de semana
Isa

Luciana Penido disse...

Seja bem vinda ao meu blog,obrigada por me seguir.Abraços

Graça Pereira disse...

Vim desejar-te um bom domingo de ramos, Já fiz o meu com tulipas amarelas, algumas espigas e raminhos de oliveira. Amanhã vou à Missa abêncoá-lo. Pedirei por todos os amigos.
Beijocas
Graça

Sonia Schmorantz disse...

Quero ser o teu amigo. Nem demais e nem de menos. 
Nem tão longe e nem tão perto. 
Na medida mais precisa que eu puder. 
Mas amar-te sem medida e ficar na tua vida, 
Da maneira mais discreta que eu souber. 
Sem tirar-te a liberdade, sem jamais te sufocar. 
Sem forçar tua vontade. 
Sem falar, quando for hora de calar. 
E sem calar, quando for hora de falar. 
Nem ausente, nem presente por demais. 
Simplesmente, calmamente, ser-te paz. 
É bonito ser amigo, mas confesso é tão difícil aprender! 
E por isso eu te suplico paciência. 
Vou encher este teu rosto de lembranças, 
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias...
Fernando Pessoa

Um domingo de paz e amor junto aos seus!
abraço