Bloguinho da Zizi

domingo, 5 de julho de 2009

Deixe secar

Nunca me esqueço da lição do meu velho sapateiro, um senhor de idade indefinida que eu conheci quando ia com o meu pai fazer nossos sapatos, depois, apenas para mandar consertar uma ou outra sola, e as vezes, somente para conversar, já que aquele senhor tinha uma alegria de vida tão contagiante e, engraçado como só agora eu me dei conta, ele falava muito pouco.
Um dia, eu cheguei na sapataria com muita raiva, estava até com o rosto vermelho, e ele me perguntou o motivo de tanta raiva.
Comentei que meu filho havia mentido sobre determinado fato e eu não conseguia engolir mentiras, pois sempre dei liberdade aos meus filhos para
conversar e pedir seja lá o que fosse, sempre ensinei a falar a verdade, evitando assim problemas maiores que a mentira sempre acarreta.
O velho sapateiro ouviu tudo e me pediu para engraxar um sapato, sem entender nada e desajeitadamente, engraxei um dos sapatos e assim que passei a graxa, peguei a escova usada para dar lustro e tentei de todas as formas dar brilho ao sapato. Enquanto eu esfregava, o sapateiro passava graxa no outro sapato e o levava para o sol para secar.
Depois de alguns minutos de tentativa frustrada de dar brilho ao sapato, eu desisti, cansado e com as mãos sujas de graxa.
O sapateiro foi lá fora, onde havia deixado o sapato secando ao sol e com algumas
escovadas, sem fazer força nenhuma, deixou-o brilhando como novo.
- Vê meu amigo, o brilho que conseguimos obter quando esperamos secar a graxa? Assim também deveríamos fazer com a nossa raiva e frustrações: deveríamos sempre esperar um tempo necessário para que sequem dentro de nós, e depois de esclarecermos todos os fatos, aí
sim, tomarmos uma atitude diante dos acontecimentos.
A raiva é uma péssima conselheira, além de fazer muito mal para a nossa saúde, pode gerar tragédias e desentendimentos duros de se consertarem.
Fui para casa mais tranqüilo, pensando em outras possibilidades para a mentira do meu filho, afinal de contas, eu o deixara na porta da escola pela manhã e sem querer, ao ligar para a escola para pedir que o liberassem mais cedo pois eu desejava almoçar com ele de surpresa, descobri que ele nem entrara na escola. Fiquei doido, e ainda não entendia onde ele poderia ter ido e minha vontade naquela hora era de ir para casa, esperá-lo e dar-lhe uma surra daquelas a moda antiga...
Pensando no sapato que secava ao sol, eu deixei a raiva secar e ao chegar em casa, pensei comigo mesmo: eu iria ter uma conversa tranqüila com meu filho, afinal de contas ele nunca havia me dado motivos para desconfiar dele, além de ser um excelente aluno, era
muito elogiado pelos professores. Foi pensando assim que abri a porta de casa, sem notar a luz apagada da sala, e ao clicar no botão para acendê-la, fui recebido com uma turma animada, cantando parabéns e com um enorme bolo no centro da casa.
O dia havia sido tão estressante
que me esqueci do meu aniversário, e meu filho, junto com seus irmãos e minha esposa saíram todos para preparar aquela festa surpresa, por isso faltara na escola.
Desde esse dia aprendi a esperar a raiva secar, assim como o sapato que engraxei no velho amigo, que era um sábio vestido de sapateiro, que sabia ouvir e era feliz na simplicidade do seu ofício que na verdade era remendar vidas, como a minha que nunca mais foi a mesma depois de conhecê-lo.

Paulo Roberto Gaefke

2 comentários:

Céu Vieira disse...

Que texto maravilhoso, obrigada, aprendi muito!!!!
Bjs

Bloguinho da Zizi disse...

Sou eu quem agradece o seu carinho Céu.
Beijinhos para ti e esta Terra que amo tanto.